Wednesday, October 31, 2007

Nos últimos tempos, tenho vindo a conversar com pessoas mais velhas - os doentes nos HUC, os familiares, os conhecidos.
É inacreditável aquilo a que um ponto de interrogação nos dá acesso.

As histórias de infância do meu pai, em que me conta o mundo "em que os deveres se faziam a candeia de azeite", em que ia para a escola em bragança quase como clandestino em carrinhas alugadas e usadas durante a noite, em que as injecções do meu avô custavam 1000 contos de rei cada e renda da casa do meu pai 600. A doçura que lhe sai no desabafo da tristeza que sentiu por se ver sozinho aos 11 anos, na cidade pela primeira vez, sem saber como comprar o material escolar, para o qual não tinha dinheiro.

As doenças que surgem no trabalho, o nascimento dos filhos, os acidentes de percurso de uma vida, em que a determinada altura não se sentiu "um pé durante 24h e o outro durante 48h", em que o bebé não tinha leite para mamar, em que se conclui "a vida prepara-vos dores sérias, preparem-se".

As rotinas, essas descritas com detalhe rigoroso, de quem sabe a importância das pequenas coisas. As horas a que se vai dormir, o chá de ervas que acompanha esta hora, a roupa que se deixa de lavar a esta hora porque cansaço da idade pesa, o Cerelac que se dissolve criteriosamente (sem um gromo!). O ritmo das refeições, a recente falta de apetite, o capricho.
O programa de rádio àquela hora, a caminhada pela horta, a comida para os animais. Os dias de festa, a roupa de domingo (sem xailes, que senão pareço uma velha).

2 comments:

D said...

Parece que no meio de uma determinada história que ate poderia ser cómica (uma vez que até nos rimos da situação) realmente tudo isto acarreta por tras um peso, que eu plo menos ainda nao me sinto capaz de imaginar. A verdade é que para isto temos que viver, reparar nos pequenos pormenores da vida. Pensar que no silencio de um sono ha tempo que sobre para que outras pessoas no mundo se sintam tão vulneráveis mas tão fortes ao mesmo tempo. Quem passa por situações marcantes, ganha "calo", força e algumas lágrimas quando as recorda.

Beijo amor:) es linda

Rick said...

sabes bem que tenho um exemplo bem verosímel em minha casa :) (e sim, também a minha mae ia para bragança aos 11 anos, em carinhas alugadas - no meio das batatas e dos manhuços, durante a noite - tudo, tudo igual). concordo plenamente com o daniel: força e calo não lhe faltam, muito menos alegria e espirito. quem me dera ser metade de tudo aquilo que ela é... e mesmo assim nunca lhe conseguiria estar totalmente grato.

es linda, pronto :)